quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O eterno fluir


As quatro verdades nobres do budismo (eu sou apenas flamenguista) são:

“A primeira apresenta a existência da dor como ligada ao eterno fluir das coisas;

a segunda mostra no desejo a causa da dor;

a terceira faz da supressão do desejo o único meio de suprimir a dor

a quarta enumera as três etapas pelas quais é preciso passar para chegar a essa supressão:
trata-se
da retidão,
da meditação,
enfim da sabedoria, posse plena da doutrina.

Cumpridas essas três etapas, chega-se ao fim do caminho, à libertação, à salvação pelo Nirvana."

Essa foto do papai na cama com mamãe e Heitor nos lembra que a vida é isso, um eterno nascer e renascer. Paizão, muita saudade, ontem joguei basquete e me lembrei de você, bem velhinho já, indo jogar na Lagoa comigo. A bola sobra para você, livre da Silva, num contra-ataque. Você parte para a cesta decidido, mas a 5 por hora. Um garotão de Zona Sul, cheio de maldade, sai no seu encalço. Quando você está quase embaixo da cesta ele se aproxima. Você finge que vai subir para arremessar, o garotão dá um pulo no vazio. Você faz calmamente a cesta. A galera vibra (aí, coroa!). Sorrisão.

teu filho Marcos

Um ano de saudade - mensagens da Nanda


Paizão, um ano sem você. Sua filha escreveu alguns bilhetinhos maravilhosos como só ela sabe fazer:

Marcos, eu queria fazer alguma coisa especial no aniversário da morte do papai. Ele gostava de datas. Pensei em transcrever, no blog, alguma coisa escrita naquela agenda que você e mamãe me deram. Não sei se vou poder fazer isso de hoje para amanhã. Mas a memória está se impondo em mim como uma tarefa. Quero registrar tanta coisa... Quem sabe a gente não pode encher aquele blog como um baú, não propriamente de textos, acabados, mas com alguns fragmentos, instantes que para cada um têm o poder de abrir uma visão do papai? Comecei hoje, despretensiosamente, no meu diário:

"O futuro é a Baaaaaaaaaaarra!" (Eu sou um homem do futuro...)

A Barra triste:

1- Comendo bolo de chocolate que a Tia Iara levou, enrolada na toalha. Papai sentado na cadeira como um animal enjaulado.

2- Outras vezes, ele andava para longe. Algumas vezes voltava e dizia que estava "vaziinho", leve, o contrário do "Tô cheio", "Tô lotado", de antes.

3- Mamãe triste, amargurada, se alienando na conversa com as amigas, ou simplesmente procurando olhar para o dia solar, com uma sombra por dentro.


A Barra alegre:

Olhar os prédios de São Conrado sendo construídos e rumar pelo viaduto do Joá, vendo o mar nas pedras. Entrar no túnel e cair naquela lagoa com casinhas e barquinhos, já perto. Fazer o retorno e encontrar aquele terreiro onde vendiam churros. Chegar na avenida da praia.
O cheiro daquela planta rasteira que cresce na areia, areia ofuscante e depois o mar ofuscante à vista. A pressa de tirar a roupa dizendo rápido: "Nós já vamos, tá?", e descer correndo pra nos lançarmos no mar infinito, ao mesmo tempo submergindo nesse infinito e reduzindo-o, domesticando-o, para virar "a minha saia"... Onda, onda e mais onda. Sol queimando a pele e que se dane a pele: "Praia é pra ficar!" Mamãe em casa, com a barriga pegando fogo, passando Solarcaine, e rindo de sua própria moda de usar maiô de duas peças.

Dina Bar. O dia em que, correndo, derrubei um pratão de macarrão que o garçom levava. Mamãe e papai não ficaram bravos.




A primeira viagem para "o exterior" : Paraguai!!! Saltando do ônibus na Praça Mauá, lugar esquisito, Polícia Federal, sala feia, cinza, espera para fazer os passaportes. Depois, eles prontos, verdes, com fotografias engraçadas. Marcos meio chorando, eu parecendo uma menina do programa "Boa noite Cinderela", do Sílvio Santos: feinha, embrulhadinha. Lembro de ter pensado que eu não era daquele jeito.

Chegando lá, o quarto do hotel enorme, com tábuas corridas, e papai cantando: "O nosso amor vai ser assim, eu pra você, você pra mim". E o Lago Azul de Ipacaraí que achamos chinfrim, comparado à nossa Lagoa e ao preço do táxi que tivemos que pagar.



Manda umas dessas imagens pra mim também, quando puder, tá? Quem sabe as suas, que não estão surradas pelo uso como algumas que eu não canso de lembrar, me abrem melhor a janela da saudade?

Um beijo da irmã

Nã.

Mãe e Marcos. Aí vai mais um bilhetinho solto no ar para nós quatro (nossa casa, nosso quadrado, nossa forma familiar que nada pode destruir):

Pai, teus olhos eram cinza mar em dia nublado. Carregavam uma infinita melancolia e eram serenos, apesar do teu temperamento ardente. A sabedoria um dia desceu dos olhos para o corpo, e os olhos falavam mais do que nunca. Impenetráveis segredos que meus olhos fitam infinitamente sem ver a linha do horizonte.

Um beijo em cada um.

Nanda.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

La Dolce Vita - Papai e Heitor na praia, reparar no sorrisão

Mensagem da Nanda

Querido irmão:

Eis uma coisa que papai adoraria: participar das "novidades" do mundo, das invenções que o fascinavam. Internet é, ele diria, um barato!!! Nunca me esqueço da memória que ele tinha do dia em que, tão pequeno que ainda tinha pai, viu pela primeira vez a coisa chamada televisão. Ele contava como se se admirasse com a admiração da criança que ele próprio tinha sido. Dá vertigem pensar nisso, né? A memória é um lugar dos nossos mortos... Na verdade o lugar das coisas que não morrem jamais e que reinventamos sempre, como contadores da nossa própria história. E é preciso mesmo contar, sempre, sempre. Fazer alguma coisa com a saudade, porque as lágrimas secam muito rápido. As palavras demoram um pouquinho mais neste planeta tão pequeno no tempo tão longo em que navegamos.

Um beijo muito grande.

Nã.

domingo, 9 de agosto de 2009

Mensagem da Simone Brantes

Querido Marcos,
falei com a Fê depois da morte do seu pai, mas não com vc. Não sei o que dizer senão o que tentava dizer a mim mesma - as palavras com as quais eu tentava lidar com a perda - quando meu pai morreu. Me lembro muito do seu pai sentado no sofá ou à mesa do lanche, das suas conversas sobre o Marquinhos, das suas risadas que eram acrescentadas à conversa como uma espécie de comentário. Então, é isso, mando para vc um poeminha de quem tenta, dentro de seus limites, entender a morte. Um beijo. Simone.

Quem sabe a morte, no fim
das contas, seja uma coisa muito
natural, quem sabe rejeitá-la
seja algo, quem sabe, bastante
estúpido, algo assim como, quem
sabe, fechar o livro predileto
uma página antes do final.